Nos últimos meses, o Sul Fluminense tem se transformado em um palco trágico da guerra entre facções criminosas — e quem paga o preço, inevitavelmente, são as pessoas comuns. Quase diariamente se registram homicídios nas cidades da região, com vítimas executadas em vias públicas ou dentro de suas próprias residências, muitas vezes em sinais claros de execução sumária.
O retrato é sombrio — basta um fim de semana violento para ilustrar. Em setembro, o Sul Fluminense teve ao menos oito assassinatos e uma tentativa de homicídio espalhados entre diferentes municípios. Em Barra Mansa, um duplo homicídio ocorreu no bairro Nove de Abril, onde dois homens foram mortos a tiros. Em Barra do Piraí, assassinos invadiram a residência de um jovem e o mataram a tiros dentro de casa, no bairro Roseira II.
Casos sem autoria identificada também têm sido frequentes. Soma-se a esses episódios o triplo homicídio ocorrido no centro de Barra Mansa em meados de outubro, que mobilizou a 93ª Delegacia de Polícia. Até mesmo cidades mais pacatas, como Quatis, têm registrado crimes violentos, demonstrando que a criminalidade se espalhou por toda a região.
Esses fatos não são pontuais: refletem uma escalada da disputa entre as facções de tráfico que disputam o controle territorial e os mercados locais. O “controle por intimidação” se impõe quando o Estado deixa enormes vazios investigativos.
Enquanto a criminalidade cresce, as instituições públicas de segurança se veem fragilizadas por um problema estrutural: o efetivo policial, sobretudo da Polícia Militar, vem diminuindo ano após ano. Policiais se aposentam, mudam de profissão ou são afastados por morte — em serviço ou por causas naturais. Repor esse déficit é politicamente e financeiramente desafiador, especialmente sob as condições impostas pelo Regime de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro.
O regime impõe severas restrições ao crescimento das despesas estaduais, inclusive aquelas relacionadas à contratação e manutenção de pessoal ativo. Mesmo assim, o governo estadual conseguiu manter-se dentro dos critérios do regime e evitar sua suspensão — uma vitória política atribuída à gestão firme do governador Cláudio Castro. Contudo, pelos próprios limites do regime, o Estado não dispõe de margem para elevar significativamente o quadro da PM e recuperar as perdas acumuladas.
Recentemente, o caso voltou a Brasília, onde o governador conseguiu preservar o regime de recuperação fiscal em meio a debates e tentativas de revisão. O resultado garantiu a estabilidade financeira do Estado, mas manteve as travas para novas contratações, especialmente em áreas sensíveis como segurança pública.
Diante desse panorama, torna-se cada vez mais clara a necessidade de uma Delegacia de Homicídios para atender todo o Sul Fluminense. A estrutura permitiria concentrar investigação especializada de mortes violentas, com capacidade técnica e operacional para lidar com os mandos e desmandos do crime organizado. Seria uma resposta estruturada à impunidade, que tantas vezes acentua o ciclo da violência.
Essa delegacia teria função estratégica: poderia articular investigações intermunicipais, reunir inteligência sobre mandantes, enfrentar os mecanismos de financiamento e comando das facções. Não seria, obviamente, a solução completa, mas poderia alterar o patamar de atuação estatal frente à criminalidade letal.
Nesta semana está programada uma conferência de segurança pública envolvendo municípios, por meio dos Conselhos Comunitários de Segurança. Esse tipo de evento representa um dos poucos foros de interlocução entre a população local e as autoridades estaduais, servindo como palco legítimo para reivindicações estruturais — como justamente a abertura de uma Delegacia de Homicídios regional.
A expectativa é que, na conferência, autoridades e comunidades apontem esse pleito como prioridade — e que o Subsecretário de Relações Institucionais do Gabinete do Governador, Rodrigo Drable, que está diretamente envolvido nas negociações pela vinda da delegacia, possa converter diálogo em compromisso oficial.
Claro que há obstáculos: em cenário de restrição fiscal e já esgotamento de margem para crescimento da máquina pública, o Estado terá de buscar mecanismos de apoio local ou federal, parcerias com o Ministério Público, convênios e até apoio de emendas parlamentares para estruturar essa delegacia. Não será possível bancar tudo exclusivamente com recursos estaduais numa situação de rigidez orçamentária.
Adicionalmente, será imprescindível que os municípios reforcem sua cooperação institucional — cedendo estrutura de apoio, sede ou logística, compartilhando inteligência e fortalecendo os Conselhos Comunitários de Segurança. A delegacia isolada não será eficaz sem esse pacto interinstitucional.
O Sul Fluminense vive um momento de crise de segurança pública, cuja dimensão ultrapassa o policiamento ostensivo fragmentado. É uma crise de inteligência, de investigação e de coordenação institucional. A criação de uma Delegacia de Homicídios regional é uma das poucas opções factíveis de resposta estruturada à onda de mortes que dói a cada família, em cada cidade.
Se a conferência de segurança desta semana fizer jus à gravidade da situação, ela poderá marcar o início de uma agenda de compromisso real, e não meramente protocolar, entre Estado e municípios.